Como começou a Idade Média

10/02/2025 13:08

 

“O empobrecimento da população do império romano a partir do século III levara muitas pessoas a abandonarem suas terras e a deixarem seu ofício ou função para se furtar aos tributos que o Estado e o exército imperial lhes impunham. Os imperadores procuraram remediar esta situação pelas restrições à liberdade de movimento: o camponês se tornou um colono amarrado ao solo; ninguém mais tinha o direito de mudar de profissão; misteres e profissões se tornaram hereditários, a estrutura da sociedade perdeu toda a flexibilidade, petrificou-se e tornou um sistema de classes claramente separadas umas das outras. Os grandes burgueses das cidades, detentores hereditários e honorários, quer dizer, não remunerados, dos cargos municipais – eram chamados curiais – sucumbiram nessa crise; a decadência do comércio, causadas pelas revoltas, pelas invasões e pela pirataria nos mares os arruinava, e os arruinava mais depressa quanto eles tinham o direito de abandonar seus cargos, que lhes impunham despesas frequentemente excessivas. Somente um pequeno grupo de grandes proprietários de bens de raiz sobrevivia, mas preferia deixar as cidades, que se empobreciam cada vez mais – foi esse o fim da civilização urbana da Antiguidade – e viver em suas terras entre seus colonos hereditários, ainda que originariamente livres; graças à decadência do poder central e à ruina das comunicações, viviam tais proprietários como pequenos senhores independentes, procurando suprir às suas necessidades pela produção local e fazendo de seus colonos uma guarda militar. Surgiam, assim, por todo o território do império, inúmeras propriedades agrícolas econômica e militarmente autárquicas; os senhores nelas exerciam até mesmo o poder de julgar.”

 

Erich Auerbach (1892-1937), filólogo e professor alemão em Introdução aos Estudos Literários